Organizations Leadership mar. 7, 2016
Como uma empresa familiar pode capitalizar sobre sua própria cultura
Quando a CEO é a sua irmã, é necessário usar uma cartilha diferente.
Yevgenia Nayberg
Nem sempre tudo é cor de rosa para as empresas familiares. A proporção dos conflitos internos, padrões inconsistentes, falta de alinhamento e diversas outras armadilhas podem ser bem maiores quando um conselho executivo se conhece desde o berço.
No entanto, empresas familiares de alto desempenho desfrutam também de algumas vantagens. "Ser uma empresa de propriedade familiar é uma grande fonte de pontos fortes", diz John L. Ward, professor clínico de empresas familiares e codiretor do centro para empresas familiares na Kellogg School. O mais central destes pontos fortes é a capacidade de fomentar uma cultura voltada a valores, algo que é mais natural nas empresas familiares devido a um sentimento comum de história, visão e propósito, bem como um legado compartilhado.
Como em todas as organizações, a criação de uma cultura vencedora é um processo ativo. Mas o que as empresas familiares podem fazer especificamente para aproveitar suas as vantagens culturais que já possuem?
A visão de longo prazo
Todas as empresas compartilham uma necessidade fundamental de competir no mercado e crescer. No entanto, as empresas familiares de maior desempenho competem e crescem de forma um pouco diferente.
Ao contrário dos seus concorrentes focados nos resultados, as empresas familiares são movidas pelo desejo de sucesso contínuo ao longo de gerações. "Pelo fato de seu horizonte de tempo ser mais longo, elas podem ser um pouco mais pacientes e assumir riscos mais calculados, além de poderem proteger o risco", diz Ward.
Isso permite que as empresas familiares tomem iniciativas que precisam de mais tempo para sair da inércia. Um exemplo clássico dessa determinação é o confeiteiro de propriedade familiar Mars, que tomou a decisão de reposicionar a barra de chocolate Snickers como um lanche para adultos. A empresa investiu na estratégia anos a fio até obter retorno.
"Obviamente, o Snickers ocupa o primeiro lugar em barras de chocolates", diz Ward. "Estavam dispostos a gastar muito dinheiro em promoção e marketing para passar a mensagem de que esta era uma marca especial. A maioria das empresas não familiares não investiria três a cinco anos à espera de um retorno".
A visão de longo prazo também pode vir a definir a identidade singular da empresa. Ser de propriedade familiar permitiu que a empresa farmacêutica F. Hoffmann-La Roche tivesse como seu foco principal os projetos avançados de P&D, em vez de copiar os horizontes temporais, projetos e produtos da maioria dos seus concorrentes.
Vale uma advertência: a visão de longo prazo pode convenientemente servir de desculpa para uma cultura que promove a ineficiência, a falta de disciplina e o baixo desempenho. As empresas familiares devem tomar cuidado para não cair nessa armadilha. Um conselho de administração independente pode atuar como provedores de uma dose de realidade, proporcionando uma visão objetiva da propriedade e liderança familiar.
"Há uma tensão saudável entre aqueles que defendem e trabalham em prol de uma visão de longo prazo e aqueles que lutam por resultados de desempenho antecipados", diz Ward.
Pensamento coletivo
Os pais, filhos, irmãos e primos que podem presidir uma empresa familiar tendem a ter relações muito próximas. Esses vínculos definem e enriquecem uma cultura que, na fase inicial do negócio, pode ser indistinguível das vidas pessoais da família.
Conforme a empresa cresce, no entanto, precisa inevitavelmente contratar talentos fora da família. Pelo fato de a sua cultura original às vezes ser difícil de decifrar pelos novos contratados, as empresas familiares de sucesso devem prestar especial atenção às pessoas que contratam e o modo da aculturação dessas contratações.
Empresas familiares inteligentes criam uma equipe de liderança que equilibra continuidade e ideias novas. Isso pode ser feito por meio da definição de orientações para a formação da equipe de diretoria, objetivando proporções iguais de familiares, colaboradores de longa data e novos líderes de fora da empresa.
Abrir espaço para os novos contratados pode se dar através da divisão de funções em uma empresa em crescimento. Por exemplo, se uma empresa tem um diretor de vendas e marketing de longa data, pode-se fazer uma nova contratação na função de marketing, ou um diretor de operações de longa data pode trazer um especialista em controle de qualidade. "Há maneiras em que é possível encontrar vagas para as pessoas que não são de fato redundantes", diz Ward. "Isso cria um grupo de pessoas na organização que acompanham o ritmo, mas também não estão empurrando a porta da geração de gestores anterior."
Além de ter as habilidades certas, os futuros funcionários devem ter a mentalidade certa. Em primeiro lugar, para fazer justiça ao robusto senso de legado do negócio familiar, uma nova contratação deve priorizar a perspectiva de longo prazo sobre os ganhos de curto prazo. Ajuda se o futuro funcionário tiver um senso de idealismo com relação à missão da empresa. Embora isso possa ser verdade para outros tipos de empresas, esse idealismo se torna bastante importante quando os próprios colegas de trabalho podem ser descendentes de seu fundador profundamente reverenciado.
Felizmente, identificar, atrair e selecionar novas pessoas para cargos de funcionários e de gestão tende a ser a parte mais difícil, diz Ward. Retenção? Nem tanto. "Assim que começam a fazer parte da cultura, não é tão difícil mantê-los", diz ele. Quando eles entram, entram para ficar.
Mantenha contato
O maior obstáculo para uma empresa familiar pode, paradoxalmente, derivar do seu sucesso.
"Acho que o maior desafio para a manutenção de uma cultura de sucesso é se a família se torna distante da sua empresa", explica Ward. À medida que a família e sua empresa crescem, aumenta a distância entre os seus integrantes. "A proximidade de uma família pode desgastar com o tempo conforme a família fica mais velha e maior e os membros da família vivem ao redor do mundo".
Conforme a família se espalha para outros países, sua visão compartilhada e a cultura que criou correm o risco de desaparecer.
"Ter uma empresa familiar é uma bela oportunidade para uma família ter motivos para ficar unida", diz Ward, "Assim, quanto mais tempo a empresa precisa usar para reunir os acionistas da família, menos ela tem para a estratégia".
À medida que crescem, muitas empresas sofrem a tentação de se desmembrar em unidades menores, como forma de operar com mais eficiência. As empresas familiares, pelo contrário, tendem a tentar permanecer unificadas, pois veem o negócio como um legado ou um propósito, ao invés de ser só um patrimônio. Mas essa visão unificada pode ser difícil de manter.
Para a família que fundou a empresa Dow Jones, a apatia intergeracional levou à venda do negócio depois de anos de interesses fragmentados. "Praticamente não houve tentativa dos líderes empresariais ou familiares de se envolver e apoiar os interesses e a vinculação dos membros da família", diz Ward. "Isto levou, em grande parte, à venda da empresa. Depois, alguns membros da família escreveram publicamente que, se pelo menos seus pais tivessem conversado sobre a empresa enquanto estavam crescendo, eles a teriam apreciado muito mais".
Então, o que uma família pode fazer para se manter unida?
Podem receber a família para reuniões educativas da empresa. Estas visitas podem incluir visitas ao local das instalações da empresa para proporcionar aos membros da família exposição ao funcionamento interno, cultura e até mesmo o alcance geográfico da empresa. As empresas familiares também podem usar publicações específicas, como boletins informativos, para fornecer informações a respeito da empresa e promover uma ligação com o negócio.
"A chave real", diz Ward, "é criar oportunidades para os familiares que não trabalham na empresa de se sentirem emocionalmente próximos do negócio, de forma que tenham o prazer e o privilégio, mas também estejam comprometidos no longo prazo com a importância da participação da família no crescimento".