Marketing jun. 4, 2018
A superstição muda a maneira de tomarmos decisões?
Cruzar os dedos ou uma figa pode mudar nossa forma usual de calcular riscos.
Você já calçou os seus “sapatos da sorte” para ir a uma entrevista de emprego ou bateu na madeira depois de dizer alguma coisa esperançosa? Esses tipos de ações levadas pela superstição não são racionais, mas mesmo assim muitos de nós as fazemos.
Veja o caso da Serena Williams, que é conhecida por usar as mesmas meias (não lavadas) quando está ganhando uma vez atrás da outra, e também de quicar a bola de tênis exatamente cinco vezes antes de dar o seu primeiro saque.
Essas observações ajudaram a dar início a um novo estudo de pesquisa de dois professores da Kellogg, que ficaram curiosos sobre esse tipo de ação. Se até mesmo uma das maiores tenistas do mundo é suscetível à superstição, pensaram, ninguém de nós está totalmente imune.
“Queríamos saber se tais atos têm a capacidade de afetar as decisões mais comuns e mundanas das pessoas", diz Ping Dong, professora assistente de marketing da Kellogg School.
Assim, Ping Dong e a professora de marketing da Kellogg, Aparna Labroo, se reuniram para examinar como o envolvimento em ações supersticiosas afeta nosso modo de pensar. Mais especificamente, as autoras queriam saber se o envolvimento em um ato supersticioso muda a maneira como calculamos nossa probabilidade de obter sucesso ou não ao decidirmos fazer algo arriscado.
Pesquisas anteriores mostraram que as pessoas geralmente odeiam mais perder do que gostam de ganhar. Por exemplo, as pessoas assumem grandes riscos para evitar perder dinheiro, mas não aceitam a mesma quantidade de risco na esperança de receber uma quantia financeira inesperada. Esse fenômeno, chamado de aversão à perda, é observado em tudo, desde a venda de vinhos até o mercado imobiliário.
Mas o que acontece quando a superstição entra em cena? Gatos pretos, olhares invejosos e espelhos quebrados mudam a forma de as pessoas reagirem às apostas, ganhos e perdas?
A resposta, segundo as pesquisadoras, é um “sim" certeiro. O simples ato de cruzar os dedos ou agarrar um chaveiro com uma figa vira a aversão à perda de ponta cabeça. As pessoas se tornam mais arriscadas nos ganhos, mas mais aversas ao risco quando enfrentam perdas.
Labroo e Dong acreditam que essa contradição resulta do aumento do fatalismo: ao se envolver em atos supersticiosos, as pessoas param de fazer deliberações racionais sobre probabilidades. Ao contrário, elas acreditam que os resultados são predeterminados.
“Podemos pensar em todos os tipos de coisas boas que acontecem e em todos os tipos de coisas ruins, mas é menos natural pensar na probabilidade e tentar calcular o valor esperado. É preciso um pouco mais de esforço”, explica Labroo. Muitos de nós desistimos desses cálculos complexos empregamos superstições, acrescenta a autora.
Seja consciente ou inconscientemente, o envolvimento em atos supersticiosos faz com que as pessoas acreditem em um mundo governado por forças misteriosas, e não por probabilidades, onde os resultados simplesmente são "predestinados".
Superstição e assunção de riscos
As pesquisadoras planejaram algumas experiências diferentes para desvendar o efeito da superstição na assunção de riscos.
Na primeira, os participantes escreveram sobre algo sobre o qual esperavam receber algum tipo de informação—como um resultado de uma prova ou o retorno em um investimento—que se mostraria favorável ou desfavorável. Isso os preparou para pensar em vantagens ou desvantagens.
Em seguida, em uma tarefa ostensivamente não relacionada com o estudo, os indivíduos selecionaram aleatoriamente um chaveiro para segurar enquanto tomavam alguma decisão. Alguns receberam um chaveiro com uma figa. As pessoas no grupo de controle receberam um chaveiro branco e macio simples.
Segurando um dos dois chaveiros, os indivíduos foram convidados a fazer uma escolha hipotética arriscada a respeito de suas próximas férias. Podiam escolher entre um quarto básico em um hotel três estrelas em um bairro comum no local onde visitariam, ou um hotel cinco estrelas cujo nome e bairro eram desconhecidos, o que significava que o local poderia ser ótimo ou terrível. Era uma aposta: uma opção de baixo risco e baixa recompensa, ou uma opção de alto risco e alta recompensa.
Como esperado, aqueles que seguraram o chaveiro macio simples mostraram um comportamento clássico de aversão à perda. Quando estavam preparados para pensar nas possíveis vantagens que teriam, apenas 19% optaram pelo hotel “arriscado”; quando foram preparados para pensar nas desvantagens, 41% encararam a aposta. Em essência, esses participantes estavam dispostos a assumir um risco maior quando preparados para pensar sobre o que tinham a perder.
Mas entre os indivíduos que estavam segurando uma figa, os efeitos se inverteram. No grupo preparado para as possíveis vantagens, 32% encararam a aposta, mas no grupo preparado para a desvantagem, apenas 14% o fizeram. Esses resultados ajudaram a demonstrar o conceito básico: que a superstição derruba a aversão à perda.
O segundo experimento, realizado on-line, examinou mais de perto o mecanismo subjacente ao fenômeno.
Usando uma configuração semelhante que apresentou uma aposta de alto ou baixo risco, onde os participantes poderiam ganhar ou perder dinheiro, as pesquisadoras replicaram as conclusões do primeiro estudo. Os indivíduos preparados para a possível vantagem que se envolveram em um ato supersticioso (cruzar os dedos, em vez do grupo de controle que foi orientado para fechar o punho) estavam mais propensos a assumir riscos, enquanto que os participantes preparados para a perda eram mais propensos a agir de forma inversa.
Os pesquisadores também fizeram perguntas mais detalhadas aos participantes sobre o quanto haviam pensado antes de tomar uma decisão, bem como se tinham se concentrado mais em sua probabilidade de ganhar ou no resultado da aposta.
Os resultados mostraram que os participantes envolvidos em atos supersticiosos pensaram menos seriamente até chegar a uma decisão. Além disso, também se concentraram mais intensamente no resultado final da aposta—ganhar ou perder dinheiro—e menos na probabilidade do ganho ou perda.
Ao cruzar os dedos ou realizar ações supersticiosas semelhantes, as pessoas “enxergam apenas o resultado final, as vantagens ou as desvantagens”, diz Labroo. “Elas não pensam na expectativa. Apenas pensam: "Vou desfrutar de uma vantagem" ou "Haverá uma perda", um fatalismo em sua melhor forma.
Pensando menos e arriscando mais
O experimento final, também realizado on-line, mostrou que as pessoas envolvidas em atos supersticiosos se comportaram de forma muito parecida com as pessoas que se sentem mentalmente sobrecarregadas, um estado conhecido como alta carga cognitiva.
Como nos estudos anteriores, Dong e Labroo pediram aos participantes para escrever sobre vantagens ou desvantagens. Em seguida, foram separados em um grupo de superstição ou de controle, usando as mesmas ações do segundo estudo—cruzando os dedos ou fechando o punho.
Posteriormente, os participantes foram divididos e em um grupo de alta carga cognitiva e em outro de baixa carga cognitiva. No primeiro grupo, solicitou-se aos participantes que memorizassem uma lista de palavras antes de fazer uma escolha arriscada. Já no grupo de baixa carga cognitiva, eles simplesmente perguntaram se conheciam os significados das palavras.
Os resultados mostraram que as pessoas no grupo de alta carga cognitiva “se comportaram exatamente da mesma forma que as pessoas dos grupos de tarefas supersticiosas”, diz Labroo.
Essa descoberta coincide com os resultados dos experimentos anteriores: quando as pessoas dedicam menos recursos cognitivos a uma escolha arriscada, elas não ligam tanto para as probabilidades—ao contrário, elas se concentram nos resultados mais extremos possíveis.
Outras formas de superstição afetam nosso comportamento?
Dong e Labroo têm interesse na amplitude dos efeitos da superstição na tomada de decisões—para nós e para os outros. Será que o efeito que descobriram se aplica a decisões com implicações de longo prazo, tais como o quanto arriscar com investimentos para a aposentadoria?
O presente estudo também mostra que, embora a aversão à perda seja uma força importante, ela depende muito do contexto e pode ser manipulada.
Esta é outra área que as pesquisadoras podem explorar no futuro.
No entanto, nem Labroo nem Dong irão pegar em uma figa para decidir o caminho que a pesquisa irá seguir: Dong diz que não é supersticiosa, Labroo diz o mesmo, exceto, ela brinca, "quando estou em grandes apuros".