Kellogg Insight - Por que algumas pessoas enxergam a desigualdade e outras não?
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Social Impact jun. 1, 2021

Por que algumas pessoas enxergam a desigualdade e outras não?

Um novo estudo ajuda a explicar as visões profundamente polarizadas das sociedades sobre preconceito e discriminação.

two people look through monoculars at money bags

Lisa Röper

Based on the research of

Hannah Waldfogel

Jennifer Sheehy-Skeffington

Oliver Hauser

Arnold K. Ho

Nour Kteily

Certo dia, Nour Kteily estava saindo de um seminário na universidade quando um colega comentou algo que ele não havia percebido: as alunas que levantavam a mão não eram chamadas pelo palestrante convidado tanto quanto os alunos.

Esta observação fez Kteily refletir sobre o tema. Professor associado de administração e organizações na Kellogg School, ele há anos estuda a desigualdade, mas sua pesquisa geralmente envolvia perguntar às pessoas diretamente sobre seus pontos de vista em relação ao racismo e elitismo.

Entretanto, ele se deu conta que raramente é assim que encaramos a desigualdade no mundo real. E se, assim como ele não percebeu o preconceito de gênero naquele seminário, algumas pessoas simplesmente estivessem menos inclinadas a notar a desigualdade? Isso poderia ajudar a explicar por que temos pontos de vista tão divergentes sobre os níveis de desigualdade no mundo ao nosso redor?

Em um novo estudo, Kteily e seus coautores – a estudante de doutorado da Kellogg Hannah B. Waldfogel, Jennifer Sheehy-Skeffington da London School of Economics, Oliver Hauser da Universidade de Exeter, e Arnold K. Ho da Universidade de Michigan – descobriram exatamente isso: pessoas com pontos de vista menos socialmente igualitários estão menos a par dos sinais de desigualdade. Os igualitários sociais, em comparação, estão muito mais alertas à desigualdade, mas apenas quando a mesma afeta grupos marginalizados. Quando afeta membros do grupo dominante ou majoritário, não estão mais sintonizados com a situação do que os não igualitários.

Em outras palavras, diz Kteily, pessoas com crenças contrastantes sobre a hierarquia social podem olhar para a mesma situação e ver coisas diferentes. “As conclusões que chegamos em termos de como percebemos o mundo são moldadas de maneiras importantes pelas nossas crenças”, diz ele. “Temos a tendência de acreditar que somos processadores neutros do mundo, mas a realidade é que nossos sistemas de crenças moldam o que chega ao nível da nossa atenção”.

As descobertas ajudam a esclarecer por que colegas de trabalho podem discordar veementemente sobre questões de desigualdade dentro da própria organização, onde um funcionário vê práticas de contratação discriminatórias e o outro acredita não haver nada de errado. Essa, é claro, também é uma receita para discussões políticas mais gerais entre colegas de trabalho que podem desviá-los das tarefas por fazer.

“As organizações cada vez mais lutam contra as divergências entre funcionários sobre o fato de ser preciso fazer mais para lidar com questões de discriminação, tanto dentro quanto fora do local de trabalho”, diz Kteily. “Essas diferenças de percepção podem, às vezes, ficar bastante inflamadas, levando algumas empresas como a Coinbase e a Basecamp a implementar políticas polêmicas que proíbem discussões sobre política no trabalho. Nosso trabalho aponta para um fator que explica como as pessoas podem chegar a conclusões tão diferentes e profundas sobre a desigualdade no local de trabalho”.

Quem percebe a desigualdade?


Para examinar esse fenômeno, os pesquisadores recrutaram mais de dois mil participantes on-line e pediram que olhassem para fotos da vida urbana. Essas cenas incluíam deliberadamente sinais de status social alto e baixo, como um carro de luxo estacionado ao lado do carrinho de compras de um morador de rua. Em seguida, foi solicitado aos participantes que respondessem a uma pergunta aberta: O que você notou na foto?

Para avaliar as crenças dos participantes sobre noções de igualdade social, os pesquisadores analisaram seus níveis de orientação à dominância social, ou SDO. Pessoas com SDO alta se sentem confortáveis com hierarquias sociais, enquanto pessoas com SDO baixa se sentem menos confortáveis com tais hierarquias. Para este experimento (e todos os outros no estudo), os participantes responderam um questionário de 16 perguntas que media a SDO.

Quando os pesquisadores analisaram as respostas, procuraram por menções diretas e indiretas de desigualdade. Simplesmente notar o carro de luxo ou o carrinho – detalhes que sinalizam uma divisão econômica – foi considerado menção indireta; conectar explicitamente esses detalhes à desigualdade foi considerado menção direta.

Os pesquisadores descobriram que os participantes com SDO alta, ou seja, pessoas com pontos de vista socialmente menos igualitários, prestavam significativamente menos atenção à desigualdade do que as com SDO baixa. A SDO correlacionou-se negativamente com menções diretas e indiretas de desigualdade: um sinal de que pessoas com SDO alta simplesmente não estão tão sintonizadas com os sinais de injustiça no mundo ao seu redor como as com um menor grau de SDO.

Simplesmente não vê: a desigualdade salarial entre gêneros


Havia a possibilidade que os pesquisadores não puderam descartar no primeiro estudo: é possível que as pessoas com SDO alta realmente vissem os sinais de desigualdade, mas simplesmente não relatavam terem notado essa característica.

Portanto, decidiram investigar essa possibilidade usando uma técnica inteligente que exigia que os participantes on-line julgassem, por meio de vários testes rápidos, se dois conjuntos de objetos eram iguais ou desiguais um do outro. Neste estudo, os objetos eram sacos de dinheiro: de um lado da tela, os sacos de dinheiro eram pareados com fotos de homens e, do outro, eram pareados com fotos de mulheres. Metade das vezes, os participantes viram o mesmo número de sacos de dinheiro em cada lado da tela. No resto do tempo, havia mais sacos de dinheiro associados aos homens – uma representação da diferença salarial entre os gêneros.

Em cada teste, os participantes tinham que pressionar a barra de espaço quando a distribuição dos sacos de dinheiro era igual, mas evitar pressionar a tecla se vissem distribuições desiguais.

Como no primeiro estudo, a atenção dos participantes para a desigualdade variou dependendo do nível da SDO: os igualitários sociais marcaram com maior precisão a detecção de números desiguais de sacos de dinheiro do que os participantes com SDO alta. (Os pesquisadores também analisaram se os igualitários sociais poderiam ter tido mais “alarmes falsos” – ou seja, maior probabilidade de relatar a desigualdade quando ela não existia – mas não chegaram à conclusão de que isso tenha acontecido.)

Como as percepções mudam com os diferentes tipos de desigualdade


Nos dois primeiros estudos, os pesquisadores analisaram a desigualdade como tradicionalmente a imaginamos – grupos socialmente dominantes se beneficiando às custas de grupos socialmente marginalizados. Notaram que pessoas com SDO alta estavam menos sintonizadas com esse tipo de desigualdade, mas e se fosse diferente? Será que as pessoas com SDO alta perceberiam a desigualdade se ela afetasse o grupo de status mais elevado? E as pessoas com SDO baixa estariam igualmente alertas quando os membros do grupo socialmente dominantes estivessem em desvantagem?

Para testar essa ideia, recrutaram cerca de 1.500 participantes que assistiram a um curto vídeo de um painel de discussão. Metade dos participantes assistiu a um vídeo em que os homens do painel falavam 1,5 vez mais do que as mulheres; a outra metade viu a situação oposta.

Os participantes tinham que prestar muita atenção ao vídeo, pois depois responderiam diversas perguntas e poderiam ganhar um prêmio de US$50 pelas respostas mais precisas. (Os participantes não sabiam em qual aspecto do vídeo deveriam se concentrar e a ideia de desigualdade não foi mencionada.)

Depois de assistir ao vídeo, foram mostrados sete gráficos de setores que os participantes tiveram que escolher qual deles representava com precisão a quantidade de tempo de conversa que os homens e mulheres do painel tiveram.

Da mesma forma dos estudos anteriores, a SDO previu o quão atentos os participantes estavam à desigualdade quando ela afetava grupos desfavorecidos, neste caso, as mulheres. Os igualitários sociais eram mais propensos do que as pessoas com SDO alta a escolher os gráficos de setores correto quando viram homens falar mais do que mulheres.

No entanto, quando os participantes viram as mulheres falando mais, não houve diferença significativa entre a precisão dos participantes com SDO alta e baixa ao escolher o gráfico correto.

Os pesquisadores notaram resultados semelhantes em outro estudo, que analisou percepções de justiça nas práticas de contratação quando candidatos brancos ou negros eram favorecidos.

“A maneira de pensar sobre as percepções”, explica Kteily, “é que os igualitários sociais têm uma vantagem em termos de sintonia quando os grupos desfavorecidos são discriminados. Quando a situação se refere a grupos favorecidos, não são piores do que pessoas com SDO alta – eles simplesmente não se saem melhor”.

O que podemos aprender com isso? Em geral, pessoas com SDO alta não percebem a desigualdade tão prontamente quanto pessoas com SDO baixa, e esse último grupo está mais atento a um tipo específico de desigualdade – a que afeta grupos marginalizados.

Por que não enxergamos tudo da mesma maneira


Para Kteily, é um lembrete de que nossas percepções não são neutras: “Trazemos condicionamentos ideológicos que podem mudar tanto o que ressalta e o que não ressalta para cada um de nós”.

Porém, se sabemos que nossa ideologia direciona nossa atenção, podemos aprender a estar mais alertas para aquilo que normalmente não vemos – permitindo um novo terreno comum ou, pelo menos, mais empatia. “Em vez de cavar fundo e ficar realmente frustrado quando alguém não vê as coisas como nós, podemos reconhecer que todos veem o que suas ideologias os estão inclinando a ver primeiro”.

Afinal, “o que pode ser realmente óbvio para mim pode nem sequer ter sido aparente para outra pessoa simplesmente porque ela não estava intrinsecamente inclinada a codificá-lo”.

Featured Faculty

Professor of Management & Organizations

About the Writer

Susie Allen is a freelance writer in Chicago.

About the Research

Waldfogel, Hannah, Jennifer Sheehy-Skeffington, Oliver Hauser, Arnold Ho, and Nour Kteily. 2021. “Ideology Selectively Shapes Attention to Inequality.” Proceedings of the National Academy of Sciences.

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